As línguas são, ao mesmo tempo, muitas coisas, e servem a muitos níveis de análise como um riquíssimo campo para investigar a natureza humana. Mas, em meio a toda a complexidade e diversidade de análise a que as línguas se prestam, podemos simplesmente compreendê-las como os códigos que elas, sem dúvida alguma, são.
Grosso modo, as coisas recebem nomes, os nomes são colocados em determinada ordem, e quem souber entender aqueles nomes, postos naquela determinada ordem, e souber produzir/interpretar os sons articulados que geram a representação daquelas coisas, na maneira de falar específica de determinada comunidade, entende o conteúdo da comunicação.
Observe alguns exemplos de comunicações em línguas diferentes, que cito em meu livro Uma Gramática Intuitiva, transliteradas (escritas em nossos caracteres, romanos) ou não, assinalando as palavras conhecidas nas frases a seguir.
1. La Municipalidad decidió retirar los colectivos por seguridad.
2. Namaewa Kurisuchina desu.
3. Les livres seront toujours utiles, on croit.
4. Estamos sempre aprendendo alguma coisa.
5. She attended a long lecture yesterday.
Na frase 1 há palavras familiares, algumas das quais, como “muncipalidad” (município) e “colectivo” (ônibus), que não querem dizer exatamente o mesmo que em português, mas que, no contexto maior da notícia do jornal de que foram retiradas, provavelmente seriam compreendidas – senão exatamente pelo que significam, então pelo menos bastante relacionadas com seus verdadeiros significados. O “código” espanhol, sobretudo escrito, é familiar para quem fala português.
Na frase 2 não há, ao menos aparentemente, palavras familiares. Nem sombra disso. Contudo, a palavra “Kurisuchina” é a versão japonesa para o nome “Cristina”. Devido à enorme diferença entre português e japonês, mesmo uma palavra familiar, como um nome próprio, acaba por ganhar uma aparência estranha. E uma fala simples, como “Meu nome é Cristina”, não traz nada de conhecido. O “código” japonês só faz algum sentido depois de estudos para interpretá-lo.
Na frase 3, em francês, há palavras que lembram palavras de português, o nosso “código” natural, como “livres”, que apesar da semelhança com “livre” (relacionado a liberdade), significa “livros”, e “utiles” (úteis).
Na frase 4 estamos completamente à vontade, pois dominamos perfeitamente o código “português”.
Na frase 5, podemos ser pegos por palavras que parecem conhecidas mas não são, como “attend” (assistir) ou “lecture” (palestra).
De alguma semelhança até semelhança nenhuma, um objeto do nosso dia a dia recebe nomes diversos entre si.
As comunidades das diferentes culturas, falantes de diversas línguas, têm suas convenções, dão nomes diferentes às coisas e organizam esses nomes de modos diferentes. Veja como fica o mesmo objeto, “cadeira”, em outras línguas:
Stuhl (alemão)
chair (inglês)
chaise (francês)
silla (espanhol)
いす(japonês)
De alguma semelhança até semelhança nenhuma, um objeto do nosso dia a dia recebe nomes diversos entre si. Essa diversidade é tão ampla quanto podem ser os pontos de vistas das pessoas, nas diferentes culturas a que pertencem e das quais compartilham. De certa forma, uma língua é um ponto de vista sobre a realidade, pois através das línguas a realidade – que aqui é tudo que nos cerca e que tem um nome – é codificada e delimitada de modos diferentes.
As línguas ou códigos linguísticos são um instrumento utilizado para que exista a comunicação dentro da realidade de cada comunidade. Na condição de código, as línguas têm peças, partes fundamentais. Para entendermos como elas funcionam, é bom podermos entender essas peças separadamente. Ao longo da minha trajetória profissional desenvolvi algumas maneiras, transformadas em processo, que ajudam a entender esses códigos, ultrapassando a barreira que secularmente foi imposta pelo aprendizado de idiomas. Mas isso é assunto para um outro artigo.