Saiba como o inglês brasileiro pode travar sua carreira
Imagine o seguinte: reunião de trabalho. Daquelas em que comparecemos não apenas online, com a voz, mas presencialmente, com o corpo inteiro. Então é preciso estar vestido conforme, certo? Terno e camisa para mulheres e homens que têm bem claro que a imagem não é tudo, mas conta muito. Essa é a história de muitos de nós. Estamos indo para a reunião. Estamos focados, pensando no que vamos dizer durante nossa apresentação, nos jogos de poder, nas estratégias, no resultado, na chance de nos destacarmos, de deixarmos – finalmente! – a nossa marca e aparecermos para os colegas, o chefe, o chefe do chefe, o VP, sei eu quem mais, todo mundo, se der! Estamos indo para a reunião. Terno, camisa e chinelo de dedo. Epa! Como assim, chinelo de dedo?
Eu explico – pode continuar lendo, por favor. Voltaremos a esse confortável tipo de calçado in due time…
Welcome to Brenglish
Recentemente fiz uma disciplina de Sociolinguística no meu mestrado em Linguística Aplicada na Victoria University of Wellington, na Nova Zelândia. Importante você saber que em Sociolinguistica, quando o assunto é inglês como segunda língua, ou língua internacional, fala-se naturalmente em “ingleses”, no plural. Isso quer dizer que o inglês assume a cara da cultura de determinado povo, por influencia da língua desse povo, e portanto tem muitas formas e variedades.
Assim, pasme você, existe o Japlish (Japanese English), e também o Chinglish (Chinese English), para citar dois. Mas existem muitos ingleses. Esse fato e os meus 30 anos de ensino e livros e milhares de avaliações de brasileiros falantes de inglês me mostraram que existe, sim, o Brenglish, Brazilian English, Inglês Brasileiro.
Inglês no Brasil
As estatísticas também levam ao Brenglish. Uma pesquisa do British Council sobre Demandas de Aprendizagem de Inglês no Brasil aponta que 5% dos brasileiros com 16 anos ou mais afirmam possuir algum conhecimento do idioma. 5% de 200 milhões são 10 milhões de pessoas. Comparativamente ao todo é muito pouco, certo? Mas o que é “algum conhecimento”? A metade se declara no nível básico, em torno de 30% se declaram no nível intermediário e 16%, no avançado. 5% dizem não saber seu nível.
Problemas da velha escala básico – intermediário – avançado
Ocorre que essa escala de básico, intermediário e avançado tem três grandes problemas: (1) ela não tem limites claros – onde termina o básico e inicia o intermediário, assim, no palpite? (2) é prática incluir-se no básico quando não sabemos nada – leitores contumazes de currículos pela vida afora que o digam!!! (3) ela gera uma impressão de ascendência – quem está no básico vai passar para o intermediário e depois para o avançado, certo? Errado. Existem platôs. A ascendência – o avanço para o próximo nível – não é, nem de longe, natural. Então tem gente que é básico a vida toda.
Mas ser básico é conhecer aspectos básicos do idioma e usá-los na comunicação – as frases mais simples, o vocabulário mais comum – ou se virar errando um monte? Ser intermediário é o quê? Tem teses inteiras sobre isso. O tema é complexo, e mostra que essas classificações são a primeira gota do que será uma grande chuvarada.
PAUSA RÁPIDA! A maneira mais fácil de evitar os erros abaixo é se manter simples na fala e na escrita. Ser simples é uma garantia que você tem de ser compreendido e evitar os “brancos” que temos quando nos comunicamos em inglês. Se você precisar, eu preparei um PDF que te ensina exatamente como usar a simplicidade a seu favor. É só clicar no link ao lado. [thrive_2step id=’7247′]Baixar PDF[/thrive_2step]
Como é o Brenglish
Trechos de redações com exemplos de Brenglish sublinhado, para ilustrar:
Through equipment and technological tools, like telephone, computer, communication radios and cameras, that my activities are played and that I can guarantee that all activities are played and finished with success.
I plan to start college soon do an engineering degree and thus grow professionally within the unit. my focus is to study to achieve this developing English.
Looking for the future, I would like to work in a worldwide company with a great strategic approach, an excellent market share and it is competitive. The Company’s values should be like as mine.
A ideia não é de sair achando defeito, não. A ideia é entender que cada cultura empresta sua identidade a língua inglesa que anda pelo mundo todo, nas bocas de todos os povos, recebendo influências e se modificando. Aqui apontei exemplos do inglês sob influência do português, misturado a usos “particulares” das palavras que não seriam naturais em um inglês padrão. Mas, de novo, não seria exatamente defeito, senão simplesmente comunicação. Em síntese, a ideia é que Brenglish, assim como Japlish ou Chinglish, é algo OK. Então os trechos acima estão, em princípio, OK.
Travar a carreira – começando a entender por que
Mas se estão OK, porque o Brenglish vai travar a carreira? Exato, me referi à carreira, não à vida. Lembra da reunião de terno, camisa e… Veja mais um – definitivo – exemplo. Possibilidades em torno do Brenglish e do English…
Caso 1) Você está em viagem, perde o vôo e pede ajuda no balcão da companhia aérea em um aeroporto qualquer:
Brenglish: Can I to call my friend and ask for him help me? I lost the plane and now I don’t Money for ticket..
English: Can I call my friend and ask him for help? I missed my plane and now I don’t have the money to buy another ticket.
Caso 2) Você tem uma reunião pela web, em inglês, com colegas de várias partes do mundo – você perde o horário, entra atrasado e diz:
Brenglish: Can you to say me what is happening? I lost the bus and now I late.
English: Sorry I’m late. I missed the bus. Could anyone please (briefly) tell me what you’re talking about?
Coloque-se no lugar dos colegas. Você se atrasa, certo – foi um azar. Mas quando você fala, agrava a impressão ruim causada pelo atraso. Mostra um uso irrefletido, impensado, um domínio escasso do idioma que bate num espelho de impropriedade, despoder, amadorismo. Amadorismo. Eis o que ninguém quer para sua imagem profissional e sua carreira.
O contexto – trabalhar de chinelos de dedo?
Outra coisa que a gente aprende em Sociolinguística é a importância do contexto no falar – as escolhas do que dizer conforme o lugar, as pessoas, a situação em que estamos. No balcão da companhia aérea ninguém vai dar bola que você usou “lost” em vez de “missed”, “call to” em vez de “call”, “ask for him help” em vez de “ask him for help” etc. Ali aparecem pessoas falando inglês de todo o jeito. Os contatos são rápidos, sem continuidade, fortuitos.
Na reunião de trabalho as pessoas sabem quem você é. Assim como as suas roupas e o seu calçado – o seu jeito de se comunicar vai gerar uma imagem. Essa imagem vai ser ligada a sua identidade – vai compô-la, junto com outros itens que você for apresentando a seu respeito. Eu não inventei a realidade, não acho justo nem sequer razoável que o jeito de vestir ou comunicar ajude a determinar a imagem de uma pessoa, mas não é assim? Pense agora: se a fala fosse a roupa, você pensaria o que de quem vai a reunião de trabalho de chinelos de dedo?
“Cristina, você está dizendo que o Brenglish está para o uso da palavra em inglês assim como os chilenos de dedo estão para o jeito de se vestir?”
Sim e não. Mas mais sim do que não. O importante aqui, o diferencial de tudo isso, é poder escolher. O chato é só ter chinelos de dedo, certo? Tem de poder escolher o calçado conforme a ocasião. Tem de poder usar a linguagem certa na situação certa. A maioria dos falantes brasileiros de inglês não tem escolha. Fala Brenglish achando que é English.
Mais ou menos Brenglish
Não são apenas os aprendizes, não. Os professores também. De uma forma mais ou menos destacada ou marcada, todos nós falamos uma forma de Brenglish. Brasileiros que somos, vemos o mundo pela lente da nossa cultura, e isso inevitavelmente aparece em nossa fala. Acontece que existem níveis em que isso acontece que refletem uma escolha, uma competência e uma capacidade. Essa escolha, em outras palavras, representa o domínio que temos da língua. Essa escolha é saber que tem o Brenglish, e que tem o English. Mais do que tudo, é estabelecer uma ponte entre o que há e o que pode haver, e andar na direção da consciência do que um e outro jeito de se comunicar representa.
Pare e pense
Aqui abrem-se vários questionamentos. Os principais, no meu entender:
– em nosso país temos de ter muito dinheiro para ter acesso a um ensino adequado e eficaz;
– existem verdadeiras máquinas de fazer dinheiro – também chamadas de escolas de inglês/promessas milagrosas – se beneficiando do desconhecimento de todas essas variedades e variações nos níveis e padrões do inglês;
– não existem soluções milagrosas;
– não existe uma solução para todos as pessoas – one size fits all, em aprendizagem de idiomas, is a no-no;
– enquanto negarmos nosso conhecimento de português – português brasileiro – vamos ter centenas de milhares de brasileiros no vazio linguístico de não saber língua nenhuma. Difícil crescer ou melhorar no vazio!
OK, então…
Temos muito a fazer e muito a melhorar. Podemos iniciar por entender e aceitar o Brenglish. Ninguém consegue mudar a própria aparência se não se vê. Ou seja, para crescer, é preciso saber que tamanho temos. Outro dia assisti a um vídeo de um professor vendendo uma solução milagrosa (mais uma) na Internet e em poucos minutos de fala em inglês ele cometeu vários brenglicismos :-). Ele achava que estava vendendo inglês. Possivelmente sequer ele sabia que estava usando formas que não são padrão – ele aparenta não saber da escolha. Possivelmente sequer ele sabia que qualquer ouvido proficiente ao ouvi-lo reage com um pouco de aversão, um pouco de distanciamento, diante daquela presunção, aquela “sabidologia” do moço. Preciso dizer que ele achava que estava abafando…
Viva o Brenglish, se é tudo que temos. Mas viva mais ainda a escolha e a consciência, que é o que todos devemos ter. Ah, viva também a honestidade comercial. Em algum momento, de alguma forma, vamos ter de deixar o mundo Tupiniquim as we know it para trás. Quem escolher continuar usando os chinelos de dedo para trabalhar colhe – e colherá – os frutos da sua escolha.
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