Porque as fórmulas e receitas que os livros, cursos e treinamentos oferecem não entregam o que você busca
Saber inglês e ter habilidades de liderança são, claramente, atributos ou capacidades que nos conduzem ao sucesso profissional.
Poucos somos os que se interessam por entender uma coisa muito importante: o que, exatamente, significa saber inglês? Dito assim, em duas palavras, saber em inglês pode até parecer uma coisa simples ou mesmo óbvia. Mas, é preciso que se diga, não há nada de óbvio nisso.
A mesma observação pode ser feita com relação a ter habilidades de liderança. Tanto se fala em liderança que, pela frequência com que esse conceito aparece, seu significado deveria ser óbvio. Porém, assim como saber em inglês, ter habilidades de liderança não é uma obviedade.
Não só porque há tantas ofertas de aquisição dessas habilidades, hoje tão necessárias, ofertas feitas de tantos modos diferentes: cursos, treinamentos, livros — muitos dos quais eu mesma escrevi — mas também, e principalmente, porque existe uma grande confusão envolvendo esses dois conceitos ou habilidades tão centrais para o nosso sucesso profissional.
A confusão a que eu me refiro tem haver com o modo de saber inglês, ou o modo de possuir habilidades de líder. Trata-se do malfadado, infeliz, e danoso uso de fórmulas.
Muitos dos cursos, treinamentos e livros estão baseados na apresentação de fórmulas que – assim promulgam – uma vez dominadas, vamos conduzir ao sucesso esperado.
Você já parou para pensar que se fosse assim não haveria tanta carência de uma boa comunicação inglês? E não haveria tanta carência de boas e eficazes habilidades de liderança?
Se as fórmulas fossem suficientes, tudo estaria resolvido!
E quase nada está resolvido. Pois apesar da ampla gama de ofertas e promessas de desenvolver essas habilidades, continuamos procurando desesperadamente por algo que nos atenda de verdade.
Porque as fórmulas não nos atendem? Antes de responder a esta pergunta, melhor definirmos “fórmulas”.
Vamos usar a analogia de uma refeição: você está com fome e lhe oferecem um hambúrguer. O hambúrguer funciona para acabar com sua fome em determinada hora. Mas você pode ser vegetariano, e querer seu hambúrguer sem bife. Você pode ser vegano, e seu hambúrguer não pode ter não só bife, como também queijo e ovo, e nada de origem animal. Ou então, tudo bem, você pode comer hambúrguer, mas é de manhã, a primeira refeição do dia. E você não gosta de quebrar o jejum da noite com hambúrguer. Em ainda outro caso, pode ser que você esteja com dor de barriga. E todo mundo sabe que a refeição de alguém que está com dor de barriga não pode ser hambúrguer.
Espero que minha analogia tenha funcionado. Se não, explico: apesar de um hambúrguer ser uma refeição, e de refeições serem sempre necessárias, você não pode comer aquela mesma refeição – o hambúrguer – em todas as situações em que precisar se alimentar.
Esse é o problema das fórmulas. Como algo marcado como “one sizes fits all” corremos o risco de andar por ai muito mal vestidos…
Na comunicação em inglês, o uso de fórmulas é constante. Basicamente cada frase explorada em uma lição, livro-texto ou aula contém uma fórmula. É muito importante que fique claro que eu não estou me colocando contra as fórmulas; estou, sim, apontando para a insuficiência de fórmulas apenas.
Vamos ver um exemplo prático?
Imagine que você é o garçom ou a garçonete em um restaurante, e que você aprendeu a fazer essas perguntas ai em cima. Elas vão funcionar na maior parte das vezes, certo. Mas se o cliente estiver em pé em cima da mesa? Se ficar nu? Se sair engatinhando? Se atacar o prato do cliente ao lado? O que você vai dizer?
Claro que meus exemplos são extremos! E não nego que estou exagerando também; entenda como uma forma de ser mais didática. 😃
Então agora você é o cliente no restaurante. Como vai expressar sua indignação se encontrar uma mosca na sua comida? Baseado nesse menu de frases, o máximo que você vai fazer é pedir outra mosca!!!
Os cursos e livros texto não ensinam a pensar o que dizer. Eles ensinam a dizer o que a maior parte das pessoas diz numa determinada situação “normal”, esperada.
Eu estou escrevendo este artigo em abril de 2020, e menciono isso para mostrar como o inesperado tem um papel fundamental nas nossas vidas. Não é verdade que nossas vidas mudaram muito por ocasião da pandemia que assola o planeta? O covid19 não virou tudo de cabeça pra baixo?
E as fórmulas de liderança, como são?
Este artigo parte do princípio de que você vai conseguir explicar as coisas “clearly and succcintly”, certo? Pelo menos isso é o que está dito que se deve fazer. O artigo parte do princípio, também, de que os itens que seguem – motivation, delegating, positivity, etc – estão à disposição do leader-to-be, como se fossem pacotes de açúcar, café e macarrão na prateleira de um supermercado. Só colocar no carrinho, pagar e levar.
Gente! Passamos uma vida inteira tentando desenvolver essas características! Listas do que é desejável não tornam o desejável acessível!
A questão com fórmulas e receitas, sejam de liderança, ou de inglês, ou de qualquer coisa, é que elas passam por cima da trajetória, apresentando o destino.
Se fosse uma viagem, seriam o equivalente a dominar a transmigração da matéria! Num piscar de olhos você está onde quer estar. E não precisa se preocupar com ir: decidir como ir, juntar o dinheiro, comprar a passagem, fazer as malas, ir ao aeroporto, pesar a bagagem, chegar no guichê, descobrir que não tem o visto, cancelar a viagem, se frustrar, ter de remarcar o bilhete, pagar multa…
Eu volto a repetir: as fórmulas são ótimas, mas fórmulas, apenas, são insuficientes. O que mais precisamos, e muito pouco exploramos, são os meios de decidir que partes da fórmula aplicar, quando fazê-lo, como fazê-lo, em que situações alterar a fórmula, e quando recombiná-la com elementos que não estão em forma alguma, apreciando o que o momento exige.
E o que nos permitirá fazer isso? O que nos permitirá acessar os meios de decidir sobre quando e como usar as fórmulas, sobre quando e como alterar as fórmulas se preciso for, tornando-as em algo situacional?
A resposta é: consciência. Consciência, esse curioso e humano fenômeno de dar-se conta. O “saber junto/completamente”, que é o que a palavra “consciência” quer dizer, na sua formação e origem, con-, junto/completamente, + -sciencia – saber -.
Um outro nome, mais atual 😃, para consciência, que eu retiro do jargão do mundo dos negócios e das TICs, Tecnologias da Informação e Comunicação, é back office. Back office se refere às atividades que não incluem contato com o cliente, e que são portanto, front office.
Sendo o processamento da percepção, a consciência é o seu back office, é todo o seu preparo e capacidade, que você aplica nas atividades front office. E por front office me refiro às atividades de comunicação e interação com a realidade, a vida, as pessoas e até você mesmo, se você considerar que sua consciência – seu back office – está na base de suas decisões para agir.
Onde está o back office, a consciência, no saber inglês, você pode estar se perguntando. Aumentando um pouco o escopo disso, pense na consciência do uso das palavras, de um modo geral, e em qualquer língua.
Saber o que as palavras significam, claro, mas mais ainda, saber o que elas estão fazendo na frase – quais os mecanismos que estão em ação na formação da frase. Pois saber isso permite… tcharããã! Adaptar as fórmulas, e criar frases naturais fora delas.
Saber inglês, de verdade, como alguém que fala essa língua como uma língua estrangeira, não é saber o nome de todas as coisas, nem repetir frases prontas decoradas; saber inglês, de verdade, como aprendiz, é dominar a ordem das palavras, e saber substitui-las por outras, se precisar, porque não sabe, ou não lembra, sem ferir a naturalidade da frase.
Em última análise, eu estou pedindo que você pense sobre o que diz, tanto no nível da mensagem que você passa quanto no nível da ordem e do tipo de palavras que você combina ao se comunicar. Não precisa decorar a gramática. Vai bastar pensar sobre que palavras fazem o que na frase. Se quiser saber mais a respeito, um livro meu chamado Gramática Intuitiva explica tudo isso em detalhe.
(Em português combinamos palavras naturalmente, mas em inglês ou em qualquer língua estrangeira as ordens e tipos de palavras se comportam diferente, e a naturalidade vai para o saco.)
Partindo dessa compreensão fica fácil concluir que, ao pensar sobre o que diz, você tem maiores chances de agir com mais foco e intenção. E ai está também a margem para repensar as fórmulas para o comportamento do líder, que como se viu são o destino, e muito pouco refletem a diversidade das necessidades reais de cada um de nós em situações onde é preciso demonstrar liderança. Pelo motivo óbvio de que cada situação é uma, e as listas e fórmulas lidam com ideias apenas.
Com a compreensão da diferença que faz estar consciente do que diz, de como diz, de que palavras escolhe, em qualquer língua que esteja falando, você dá um passo na direção de considerar a situação específica em que se encontra, para ser um líder totalmente aderente ao contexto em que está.
Recomendações:
Para melhorar seu inglês
- aprenda fórmulas, claro, mas saiba alterá-las se precisar.
- nas frases que usar, veja se você sabe por que determinada palavra está onde está, e o que ela faz ali, sua função; veja, também, se sabe substitui-la por outra mantendo a frase gramatical, correta.
- exercite dizer a mesma coisa de mais de um jeito.
- coloque-se no lugar de quem o ouve ou lê, levando em consideração que essa pessoa vem de outra cultura, e por isso pode ver as coisas de um jeito diferente de você.
Para desenvolver as habilidades do líder
- Explore as listas de características desejáveis para o líder, claro, mas saiba que são ideais, e não necessariamente realistas para você ou qualquer outra pessoa.
- Considere o cenário em que se encontra, e as consequências das suas ações e das de outros, na trama multifacetada da realidade, e lembre que você é sempre parte da equação, como quem a vive, e como quem a contempla.
- Ouça aos outros.
- Coloque-se no lugar do outro.
Essas recomendações só são possíveis de seguir com o ingrediente da consciência adicionado na mistura da vida. Só são possíveis de seguir se você transitar pelo seu back office, e conhecer os processos por trás das suas interações e ações.
Sem o dar-se conta, sem o despertar para o que há de único no aqui e no agora de cada situação vivida, você rouba de si mesmo a própria vida! Ao não se comunicar ou agir levando em consideração o contexto especifico e a situação única em que se encontra, em outras palavras, ao não fazer com as próprias mãos, e sim com as mãos anônimas das fórmulas, das receitas prontas, você se afasta do sucesso, em vez de aproximar-se dele. Porque o ideal, anônimo e irreal como sempre é, nunca foi a marca pessoal de ninguém.
Em outras palavras, adote os livros e cursos e listas com um pé atrás.
In other words, take the books and courses and lists with a pinch of salt.
Receitas e fórmulas ajudam, mas o fator responsável pelo verdadeiro sucesso de uma pessoa é sua marca pessoal, sua capacidade de ser e tratar como única sua vida e o que ela apresenta.