A língua muda o tempo todo, pela óbvia razão de que vivemos situações novas e diferentes a cada dia. E nessa dinâmica diária, temos uma relação de dependência mútua com nossa língua: com ela realizamos e construímos o relato da nossa vida, dia após dia, para nós e para os outros.
E, justamente para dar conta de explicar ou na tentativa de simplificar a explicação dos fatos, o brasileiro acaba por aderir ao uso de uma infinidade de palavras que inexistiam e que vão surgindo, naturalmente. Petefobia, cunhofobia, impitimar, entre outras, fazem parte dessa nova dialética utilizada para descrever novos – e difíceis tempos.
Como especialista em ensino de idiomas, acompanho atentamente o que acontece nessa evolução natural do nosso idioma. O vocabulário serve a muitos níveis de análise como um riquíssimo campo para investigar a natureza humana. Mas, em meio a toda a complexidade e diversidade de análise a que as línguas se prestam, podemos simplesmente compreendê-las como os códigos que elas, sem dúvida alguma, são. As palavras são instrumentos e, com elas, atuamos na realidade, afetando-a e sendo afetadas por ela. Falamos tanto em PT, em Cunha, em impeachment que acabamos dando a essas palavras uma aparência mais funcional para poder lidar melhor, e com instrumentos mais precisos, com a realidade que elas representam.
As línguas são ao mesmo tempo muitas coisas
Grosso modo, as coisas recebem nomes, os nomes são colocados em determinada ordem, e quem souber entender aqueles nomes, postos naquela determinada ordem, e souber produzir ou interpretar os sons articulados que geram a representação daquelas coisas, na maneira de falar específica de determinada comunidade, entende o conteúdo da comunicação.
E como a humanidade concretiza sua comunicação? Atingimento não existe. Não está no dicionário, pelo menos. Mas eu já vi e já usei a palavra atingimentoalgumas vezes. E já vi gente usar. O mito está em ir ao dicionário para buscar não o significado das palavras que não (re)conhecemos, mas a permissão legal para usar essas palavras. Lógico, o contexto da minha comunicação me diz quanta liberdade posso ter para a escolha das minhas palavras, mas até mesmo isso – esse cuidado com usar o que existe e o que não existe, quando temos as condições para fazer passar a existir a palavra que acharmos necessária (respeitando os limites de interpretação do interlocutor) – até mesmo isso é fruto da organização de poder estabelecida pelo nossa maneira de encarar nosso conhecimento da língua.
Ao entendermos o que as palavras fazem, passamos a vê-las como os instrumentos que são para afetar e influenciar o mundo a nossa volta, tanto nas relações interpessoais e profissionais, nas reflexões e no desenvolvimento próprio e conjunto. Isso tudo passa pelas palavras, que são a base para a transformação. Saber que a realidade nos influencia, mas que também podemos influenciá-la, é um exemplo do poder que temos em mão.